O Governo dos Açores aprovou o “Roteiro para a Neutralidade Carbónica dos Açores 2050” (RNCA), documento estratégico que fixa a trajetória regional para atingir emissões líquidas nulas em 2050.
A Resolução do Conselho do Governo n.º 130/2025, aprovada a 4 de setembro, foi ontem publicada em Jornal oficial, incumbindo a Direção Regional do Ambiente e Ação Climática (DRAAC) de publicitar o plano e acompanhar a sua execução.
O roteiro resulta de um processo com consulta pública entre 4 de setembro e 4 de outubro de 2024 e atualiza as projeções do PRAC, alinhando a Região com o Acordo de Paris e a Lei Europeia do Clima.
Existem três cenários previstos: o cenário de referência com a trajetória “business-as-usual”, assente na informação estratégica disponível (incluindo o PRAC), com metas e medidas já em curso ou previstas a curto prazo. O Cenário de descarbonização C2 que inclui parte do C1 e aplica, setor a setor, as medidas prioritárias de descarbonização identificadas com os stakeholders (com as respetivas capacidades instaladas) e o cenário de neutralidade carbónica C3 que inclui parte do C2 e eleva a ambição, acrescentando medidas adicionais discutidas com os stakeholders, por se ter verificado que o C2 não atingia a neutralidade.
No cenário selecionado (C3), o RNCA estabelece metas globais de emissões de 1 233 ktCO2e (quilotoneladas de dióxido de carbono equivalente) em 2030 e 641 ktCO2e em 2040, atingindo -2 ktCO2e em 2050, o que traduz neutralidade carbónica à escala regional. Como referência, as emissões líquidas em 2005 foram de 1 527 ktCO2e, enquanto o valor para 2020 aponta 1 679 ktCO2e.
A redução distribui-se de forma diferenciada por setores. Na energia (produção e uso), a trajetória desce de 659 ktCO2e em 2005 para 126 ktCO2e em 2050, correspondendo a -78% face a 2005, sustentada pelo reforço das renováveis e pela eletrificação dos consumos.
Na mobilidade e transportes (rodoviário, aéreo e marítimo), o objetivo é a descarbonização total em 2050, suportada por eletrificação, combustíveis alternativos e introdução de hidrogénio nos pesados em São Miguel e Terceira.
Nos resíduos e águas residuais, a meta passa reduções de 34%, 57% e 69% face a 2005, respetivamente, combinando medidas tecnológicas e operacionais.
Já na agricultura, florestas e outros usos do solo (AFOLU), o roteiro projeta a evolução para sumidouro líquido até 2050, traduzindo +9% em 2030 face a 2005, mas -63% em 2040 e -156% em 2050, resultado do aumento da área florestal e de práticas agropecuárias menos emissoras.
O documento sublinha que a perda de área florestal entre 2005 e 2020 agravou as emissões do setor, pelo que a inversão desta tendência é determinante para o estatuto de sumidouro em meados do século. O setor de processos industriais e uso de produtos mantém expressão residual no inventário regional, com 0,05% das emissões.
Para materializar a transição, o RNCA estima um investimento de 1 779 milhões de euros entre 2025 e 2050. A distribuição setorial é a seguinte: residencial 188 M€, serviços 132 M€, transportes rodoviários 236 M€, transportes aéreos 508 M€, transportes marítimos 286 M€, produção de eletricidade 244 M€, resíduos 44 M€ e AFOLU 1 415 M€.
Apesar do esforço financeiro, a análise custo-eficácia antecipa uma poupança global de 489 milhões de euros (22,53 €/tCO2e) ao longo do período, refletindo ganhos de eficiência energét ica e menor custo da energia.
O plano de financiamento combina fontes europeias, nacionais, regionais e instrumentos do mercado voluntário de carbono, sem prejuízo de candidaturas adicionais caso a caso.
A governação e o controlo da execução assentam num plano de monitorização com três pilares: primeiro, comissão de acompanhamento coordenada pela DRAAC, com stakeholders setoriais; segundo, relatórios de acompanhamento bienais que confrontam o inventário regional (IRERPA) com a trajetória do RNCA e fazem o balanço do financiamento; e terceiro, revisão do roteiro de cinco em cinco anos.
O sistema articula-se com instrumentos já vigentes na Região, designadamente o SRIERPA e os indicadores de mitigação do PRAC.
No prefácio, o secretário regional Alonso Miguel resume a ambição: uma visão estratégica clara, com trajetórias custo-eficazes, tecnologicamente exequíveis e economicamente viáveis para que a economia açoriana alcance a neutralidade carbónica em 2050 — balançando emissões e sequestro pela floresta e pelo uso do solo.
Ao aprovar o RNCA e ao fixar metas quantificadas por setor, prazos de monitorização e um envelope financeiro indicativo, o Governo regional transforma a neutralidade carbónica num objetivo operativo, com calendário e métricas para aferição pública do progresso.
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