A Citânia de Briteiros, um tesouro esquecido no coração do Minho - Artigo de opinião , 03/10/2025 , Paulo Freitas do Amaral Professor, Historiador e Autor | Jornal “O Breves”–“ Breves TV Online”

A Citânia de Briteiros, um tesouro esquecido no coração do Minho Artigo de opinião , 03/10/2025 , Paulo Freitas do Amaral Professor, Historiador e Autor   Há lugares em Portugal que, apesar de carregarem séculos de história, vivem numa penumbra injust...

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A Citânia de Briteiros, um tesouro esquecido no coração do Minho - Artigo de opinião , 03/10/2025 , Paulo Freitas do Amaral Professor, Historiador e Autor

Publicado por: obreves
2025/10/04 17:52:07
A Citânia de Briteiros, um tesouro esquecido no coração do Minho
A Citânia de Briteiros, um tesouro esquecido no coração do Minho
A Citânia de Briteiros, um tesouro esquecido no coração do Minho
Artigo de opinião , 03/10/2025 ,
Paulo Freitas do Amaral
Professor, Historiador e Autor
 
Há lugares em Portugal que, apesar de carregarem séculos de história, vivem numa penumbra injusta. A Citânia de Briteiros é um desses lugares. Situada na freguesia de Salvador de Briteiros, nos arredores de Guimarães, ergue-se num monte a mais de 300 metros de altitude, guardando silêncio sobre o quotidiano das gentes que ali habitaram há mais de dois mil anos.
Para quem desconhece, trata-se de um dos mais notáveis povoados proto-históricos da Península Ibérica, ligado à cultura castreja. As suas muralhas circulares, as ruas calcetadas e as casas de planta redonda ou quadrangular revelam uma surpreendente organização urbana, testemunhando um nível de vida sofisticado para comunidades que floresceram muito antes da chegada dos romanos.
A descoberta da Citânia deve-se em grande parte ao incansável Martins Sarmento, erudito vimaranense que, no século XIX, dedicou a sua vida a escavar e a preservar este lugar. Graças a ele, e à Sociedade Martins Sarmento que ainda hoje prossegue a sua obra, é possível passear entre os restos de habitações, observar os penedos moldados pela mão humana e imaginar o eco das vozes dos antigos habitantes.
Mas a Citânia não é apenas um espaço arqueológico. É também um lugar de fascínio visual, de vistas largas sobre o vale do Ave, onde o verde do Minho se mistura com o granito eterno das muralhas. Quem sobe até lá não encontra apenas pedras; encontra raízes. É como se cada pedra contasse uma história do que fomos antes de sermos Portugal.
Poucos sabem que daqui provêm alguns dos mais belos exemplares de esculturas proto-históricas do noroeste peninsular, como os célebres “pedras formosas”, ligadas a rituais de purificação, hoje preservadas em museus. Poucos sabem ainda que as casas com lareira central, os fornos comunitários e a divisão em bairros sugerem um modo de vida comunitário que inspira quase um sentido de cidadania ancestral.
A Citânia de Briteiros não vive apenas nas pedras do monte. Muito do que foi retirado das escavações, cuidadosamente guardado e estudado, encontra-se hoje na Sociedade Martins Sarmento, em pleno centro histórico de Guimarães. Esse museu, instalado num antigo convento de São Domingos, é um verdadeiro templo da arqueologia portuguesa.
Ali se conservam os objetos do quotidiano que dão vida às ruínas silenciosas: cerâmicas utilizadas para cozinhar e armazenar alimentos, adornos de bronze e de ferro que revelam o gosto estético dos antigos habitantes, ferramentas agrícolas que testemunham o trabalho da terra e até armas que evocam tempos de defesa e de confronto. Cada peça é um fragmento de vida, um eco concreto do que se perdeu no tempo.
Entre os tesouros mais emblemáticos está a célebre Pedra Formosa, peça esculpida com delicadeza geométrica, associada aos balneários rituais castrejos, que sugere práticas de purificação e culto. Encontramos ainda estatuetas zoomórficas, que parecem condensar crenças e mitologias arcaicas, e uma vasta coleção epigráfica que testemunha a transição para o mundo romano.
Visitar a Sociedade Martins Sarmento é prolongar a experiência da Citânia. No monte vemos o espaço, a arquitetura e a paisagem; no museu, tocamos a intimidade da vida doméstica, o gesto humano petrificado em utensílios e símbolos. É como se o visitante fosse convidado a completar um puzzle que só se entende unindo o silêncio das pedras às vozes preservadas nas vitrinas.
E há um detalhe curioso: muitos destes achados chegaram ao museu graças ao esforço pessoal de Francisco Martins Sarmento, que não se limitou a escavar. Ele comprou terrenos, protegeu ruínas, recolheu peças e fundou a instituição para as guardar. Sem essa dedicação quase romântica, o Minho teria perdido uma das suas maiores riquezas patrimoniais.
A Citânia de Briteiros e a Sociedade Martins Sarmento formam, assim, um binómio inseparável: o território e a memória, o espaço e o objeto, o visível e o guardado. Só quem conhece ambos compreende a verdadeira dimensão deste património que, discretamente, coloca Portugal no mapa da arqueologia europeia.
E aqui se impõe uma reflexão. Este tesouro não pode permanecer escondido, reduzido a notas de rodapé em manuais escolares ou a passeios ocasionais de turistas mais atentos. Se fosse em França, em Itália ou até na vizinha Galiza, a Citânia seria motivo de orgulho nacional, de recriações históricas, de um calendário cultural próprio. Em Portugal, aguarda quase em silêncio, visitada por poucos, como se a memória pudesse viver apenas de boa vontade.
Valorizar a Citânia e o património da Sociedade Martins Sarmento é valorizar a nossa própria identidade. É dar aos portugueses a consciência de que a história não começou em 1143, mas muito antes, quando já havia comunidades que construíam muralhas, praticavam rituais e criavam uma organização social complexa. Se queremos um futuro com raízes, temos de começar por cuidar das nossas fundações. A Citânia de Briteiros é uma delas. Não deixemos que continue esquecida.
 
POR- Artigo de opinião , 03/10/2025 ,
Paulo Freitas do Amaral
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