Conservação da natureza, biodiversidade, desenvolvimento sustentável e saúde José Manuel Calheiros Professor Catedrático Convidado da Universidade Fernando Pessoa e Professor Catedrático Jubilado da Universidade da Beira Interior Membro da Comissão Ci...
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Conservação da natureza, biodiversidade,
desenvolvimento sustentável e saúde
José Manuel Calheiros
Professor Catedrático Convidado da Universidade Fernando Pessoa e Professor Catedrático
Jubilado da Universidade da Beira Interior
Membro da Comissão Científica da Sociedade Portuguesa do AVC
Celebrar o “Dia Mundial da Conservação da Natureza” (28 de julho) é refletir
sobre a situação da natureza em Portugal e no mundo. Podemos associar a
esta celebração a do “Dia Mundial do Ambiente” (5 junho) que, no presente
ano, se propôs estimular a reflexão sobre a biodiversidade e as crescentes
ameaças a que está sujeita. Estas resultam sobretudo da ignorância e de atos
de vandalismo social, económico e político, condicionando a vida humana ao
crescimento económico (de alguns), condenando a uma precária subsistência a
vasta maioria da população mundial.
As Nações Unidas, ao promoverem estas iniciativas, remetem-nos para os
Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (2020), os quais visam promover o
desenvolvimento social harmónico e o respeito pela natureza e seus
ecossistemas, indispensáveis à sobrevivência das espécies, incluindo a
humana.
Ao longo dos anos, o meu contacto diário com os alunos (predominantemente
de Medicina) tem-me feito refletir sobre os conteúdos do curriculum e
integração das questões de cidadania e justiça ambiental na prática
profissional.
Constato com algum desencanto que a vasta maioria dos futuros médicos
resolve estas complexas equações baseado no modelo de exame por
perguntas de escolha múltipla e nos parágrafos, bem definidos, da bibliografia
disponibilizada. Saber fazer perguntas e procurar respostas é muito mais
complexo e pouco valorizado.
Felizmente que, ocasionalmente, encontro jovens médicos/médicas e outros
profissionais de saúde que compreendem e valorizam o conhecimento e são
garantes do futuro.
Neste contexto, regressemos à SPAVC e ao seu meritório contributo para
enriquecer o conhecimento e a prática profissional.
Seguem-se alguns exemplos do que não aprendi na faculdade, os quais
poderão servir de reflexão, ilustrando a ligação entre a clínica, o doente
sintomático, a saúde pública e as políticas públicas e os objetivos da
celebração em apreço.
A toxicidade dos metais pesados
Se mencionarmos a doença de Minamata recordar-se-ão, provavelmente,
do aparecimento de um elevado número de doentes com diversos e
complexos síndromes neurológicos, provenientes da comunidade piscatória
de Minamata (Japão). A infeliz situação é um tratado de patologia do
sistema nervoso. Os primeiros casos foram diagnosticados em 1956 e
estabelecida a associação com a descarga de grandes quantidades de
águas residuais industriais contendo metilmercúrio ou seus percursores e o
desejável consumo alimentar da produção local – peixe! Um segundo
episódio ocorreu na prefeitura de Niigata em 1965. Em 2001 foram
reconhecidas oficialmente mais de 2000 vítimas das quais cerca de 80% já
tinham falecido. Pelo meio assinale-se a atribuição de algumas
compensações aos pescadores e o substancial crescimento económico da
comunidade resultante da atividade da indústria. A negligência da empresa,
a ocultação de evidência que dispunham e a sua subversão ilustram o
desprezo pelo meio ambiente e, consequentemente, pelo ser humano.
Outro exemplo da utilização do mercúrio está associado à corrida ao ouro
na Serra Pelada, estado do Pará, Brasil, iniciada em 1979. Para a
separação do ouro utilizaram-se vastas quantidades de mercúrio, seguindo
modelos de há milénios. A possibilidade de contaminação do peixe e
animais que se alimentam do peixe é real, tendo sido documentados teores
elevados de mercúrio no cabelo de comunidades indígenas as quais lutam
contra a presença dos “garimpeiros”.
Não pode deixar de nos surpreender que tenham tido que decorrer várias
décadas após os acontecimentos acima resumidos para que, com o
patrocínio das Nações Unidas, apenas tenha entrado em vigor, em Agosto
de 2017, a “Minamata Convention on Mercury”, tratado através do qual se
pretende alertar para a ocorrência, exploração, usos deste metal e as
consequências da sua libertação para o meio ambiente – ar, água e solo e
subsequentemente, evitar / controlar a indesejável exposição dos seres
humanos.
Nesta breve nota não há espaço para abordar, em detalhe, os riscos
associados à exposição ao chumbo, particularmente grave quando ocorre
na infância, acarretando atrasos significativos no desenvolvimento psico-
motor das crianças. A abolição da gasolina com chumbo, e de tintas
contendo o mesmo metal pesado nos brinquedos e nas habitações, assim
como o controlo da exposição laboral (os pais transportam consigo, no
vestuário, resíduos relevantes) muito têm contribuído para a significativa
melhoria verificada, apesar de, entre nós, ser muito escassa a inclusão da
avaliação da possibilidade de ocorrência deste “envenenamento” na
avaliação neuropsicológica.
Qualidade do ar
São inúmeras as áreas em que a forte evidência acumulada é,
sistematicamente, desvalorizada e questionada. Se há tema que,
atualmente, deve merecer máxima atenção é a poluição do ar (atmosférico
e ar interior) e o seu impacto na saúde dos cidadãos. Grande parte da
investigação neste contexto tem-se centrado nos efeitos agudos deste fator
de risco, sobretudo sobre o aparelho respiratório.
No entanto, desde a última década do século passado até ao presente, são
inúmeros os estudos que têm estabelecido uma sólida relação entre a
poluição atmosférica e os efeitos agudos e crónicos sobre os sistemas
circulatório e nervoso. Recentemente, Lin e colaboradores analisaram os
efeitos a longo prazo numa coorte de seis países de rendimento médio e
baixo. Estimou que, em média, 6,5% dos AVC podem ser atribuíveis às
partículas finas. Estas encontram-se no ar interior, resultantes sobretudo da
combustão de produtos do tabaco e, no ar exterior, resultam das emissões
dos veículos automóveis e outros motores de combustão, da queima de
madeira e dos fogos florestais.
Podemos questionar-nos sobre o que se passa em Portugal no que respeita
à qualidade do ar e as conhecidas recorrentes violações dos limites em
áreas específicas do país. Quem observa as emissões de um elevado
número de escapes que todos os dias passam por nós, certamente
concorda com o parecer resultante da auditoria à qualidade do ar do
Tribunal de Contas, disponibilizado recentemente:
“Portugal tem boas políticas sobre a qualidade do ar, mas falha noutros
aspetos, como a sua concretização e acompanhamento, falta de
recursos e falta de informação”.
Esta situação ilustra a crónica falência de que sofre a nossa sociedade –
boas ideias e más práticas, das quais resultam riscos e um peso enorme
para a saúde das populações.
Passar o conhecimento à ação de Saúde Pública será,
inquestionavelmente, um dos pilares do nosso futuro.
Patrícia Rebelo | SPAVC

