ARTIGO DE OPINIÃO
DOENÇA DE ALZHEIMER EM TEMPOS DE COVID-19
Sofia Duque - Coordenadora-Adjunta do Núcleo de Estudos de Geriatria da Sociedade
Portuguesa de Medicina Interna
Este ano, no dia 21 de setembro, assinala-se de novo o Dia Mundial da Doença de Alzheimer.
Mas mais do que nunca, este ano, em virtude da pandemia COVID 19, é evidente a
vulnerabilidade dos doentes, familiares e cuidadores dos doentes com doença de Alzheimer, e
a necessidade de uma atenção especial.
Os profissionais de saúde e prestadores de serviços sociais, ao apresentarem-se vestidos com
os equipamentos de proteção individual, incluindo máscara, bata, luvas, óculos e touca,
podem não ser elogiados pelas pessoas com doença de Alzheimer, mesmo que façam
parte dos seus contactos do dia-a-dia. Podem ser encarados com medo e desconfiança,
podendo precipitar quadros confusionais e de alterações comportamentais. A
descaracterização que os equipamentos de proteção individual determinam, pode gerar
experiências disruptivas para as pessoas com a doença de Alzheimer, a que acresce o trauma
do “desaparecimento” das faces familiares que previamente garantiam segurança, confiança e
tranquilidade. A comunicação com os doentes pode ser grandemente afetada pelo uso das
máscaras e comprometer a satisfação das necessidades dos doentes além de aumentar o seu
stress.
Por outro lado, as pessoas com doença de Alzheimer, ao percecionarem as profundas
alterações económicas e sociais resultantes da pandemia e cientes da sua vulnerabilidade e
carácter progressivo da doença, podem desenvolver sentimentos de medo, ansiedade e
depressão. Poderá haver dificuldade na verbalização destes sentimentos e preocupações, pelo
que os familiares e cuidadores deverão estar alerta e tentar tranquilizá-los, demonstrando que
continuarão a ter o apoio que precisam.
Contudo, malogradamente, algumas pessoas com demência de Alzheimer poderão mesmo ser
vítimas de maior solidão, devido à suspensão de serviços sociais como o encerramento dos
centros de dia, a interrupção ou redução da frequência das visitas de apoio domiciliário, da
menor disponibilidade dos serviços de voluntariado e menor frequência dos contactos com
familiares. Estas medidas, embora visem a proteção dos doentes e a prevenção da transmissão
da COVID 19, podem comprometer os cuidados básicos, como a higiene e a alimentação, e o
controlo de eventuais doenças crónicas. O isolamento social e a solidão podem agravar o
compromisso cognitivo resultante da doença de Alzheimer devido à menor socialização e
estimulação cognitiva, pelo que alternativas deverão ser encontradas para fazer frente à
deterioração cognitiva. As novas tecnologias poderão aqui desempenhar um importante papel,
embora a capacidade de aprendizagem dos doentes possa também estar afetada, limitando
beneficiar das novas tecnologias.
O confinamento no domicílio, ainda que seja uma das medidas mais eficaz para a prevenção da
infeção COVID-19, resulta ainda no sedentarismo e suspensão de atividades lúdicas. Além, da
repercussão na capacidade física e funcional, pode também contribuir para o declínio das
capacidades cognitivas e executivas das pessoas com doença de Alzheimer.
As pessoas com doença de Alzheimer, em virtude da falha de memória, poderão ainda ter
dificuldade em cumprir as medidas de distanciamento social, em usar corretamente a máscara
e manter a higiene adequada das mãos. Consequentemente, as pessoas com doença de
Alzheimer, poderão correr maior risco de contrair a COVID-19, não pela doença em si, mas
pelas consequências da mesma. Os cuidadores e familiares de doentes com Doença de
Alzheimer deverão ter cuidado acrescido para que se cumpram estas medidas.
Por fim, não pode ser esquecido que a doença de Alzheimer afeta não só o próprio doente,
mas também os seus familiares e cuidadores, que nesta época se poderão ver mais
sobrecarregados, com maior risco de burnout e depressão, merecendo também um cuidado
reforçado.
Realçar os problemas que a pandemia COVID-19 impõe aos doentes com Doença de Alzheimer
não deverá aumentar o estigma que envolve a doença de Alzheimer, mas sim aumentar a
consciencialização para a doença e promover a implementação de estratégias que aumentem
a dignidade, a qualidade de vida e o bem estar das pessoas com doença de Alzheimer. Este é
um assunto que diz respeito aos doentes, aos seus familiares e cuidadores, aos profissionais de
saúde e de serviços sociais.... mas não só.... este assunto diz respeito a toda a sociedade civil!

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